Livro relata como um grupo de judeus caçou e prendeu oficial nazista

 O tenente-coronel Adolf Eichmann (1906-1962) foi o mais famoso executor do terceiro Reich Hitler, defensor da ideia da "solução final para o problema judeu" e responsável pela logística de transportes de prisioneiros para os campos de concentração.
Nos últimos meses da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), quando a Alemanha passou a dar os primeiros sinais de derrota, muitos líderes nazistas começaram a se preocupar com seus crimes. Eichmann, devido à sua fama, temia que seu nome estivesse no topo da lista de criminosos de guerra dos Aliados.

Divulgação
Livro elaborado com base em documentos recém-divulgados
Livro elaborado com base em documentos recém-divulgados

Com o fim do conflito internacional, acabou capturado por tropas norte-americanas, mas conseguiu escapar em 1946. Em 1950 mudou-se para a Argentina, adotando o nome de Ricardo Klement.
Após um longo período de investigação, no dia 11 de maio de 1960, israelenses encontraram e sequestraram Eichmann, uma das primeiras missões do Mossad (serviço secreto israelense). O ex-oficial nazista foi levado para Israel dez dias depois.
Seu julgamento começou em abril de 1961. Condenado à morte, sua sentença foi executada no dia primeiro de junho de 1962. Inspirada pelo processo, Hannah Arendt (1906-1975), filósofa alemã de origem judaica, escreveu "Eichmann em Jerusalém".
"Caçando Eichmann" (Objetiva, 2010) foi elaborado a partir de documentos recém-divulgados, incluindo o passaporte falso usado pelo nazista para deixar a Europa e em uma detalhada pesquisa sobre ex-soldados nazistas e extremistas argentinos de direita.
Escrito pelo jornalista norte-americano Neal Bascomb, mesmo autor de "O Encouraçado Potemkin", o volume é a primeira narrativa completa do mais famoso julgamento de um criminoso de guerra no século 20. Leia, abaixo, um trecho do livro.
Siga a Livraria da Folha no Twitter
Siga a Livraria da Folha no Twitter
DO LADO DE FORA DE MAUTHAUSEN, um campo de concentração construído ao lado de uma pedreira de granito na margem norte do rio Danúbio, na Alta Áustria, estava o tenente-coronel Obersturmbannführer Adolf Eichmann à frente de uma longa coluna de 140 caminhões e viaturas para oficiais comandantes. Era meio-dia de domingo, 19 de março de 1944, e naquele dia ele completava 38 anos.
Vestido com a farda cinza-claro da SS, parecia ter a simpatia e o humor de um pedaço de granito. O cabelo era fino e louro-escuro; os lábios, estreitos; o nariz, comprido; e os olhos, azul acinzentados. O crânio entrava abruptamente nas têmporas, característica ainda mais acentuada pelo quepe agora puxado sobre a cabeça. De altura mediana, mantinha o corpo bem-proporcionado levemente inclinado para a frente, como um rastreador atrás da trilha fresca. Enquanto observava os homens se prepararem para partir, o canto esquerdo da boca se contorcia inconscientemente, lhe repuxando o rosto em uma carranca.
O comboio de mais de quinhentos integrantes da SS estava pronto. Na fila de veículos, os motores rugiram ao ganharem vida e a fumaça preta da exaustão se espalhou pela estrada. Eichmann subiu no Mercedes do estado- maior e deu sinal para os motociclistas que encabeçavam a coluna avançarem rumo a Budapeste, seguindo a trilha aberta pela 1ª Divisão Panzer. Doze horas antes, 11 divisões da Wehrmacht tinham avançado pela fronteira húngara enquanto os paraquedistas saltavam na capital histórica para ocupar prédios do governo e posições estratégicas. Adolf Hitler ordenara a ocupação do país para evitar que o parceiro do Eixo buscasse o armistício com os aliados, agora que o Exército Vermelho avançava a leste.
Enquanto a coluna de veículos se afastava rapidamente de Mauthausen, Eichmann esperava que, dali a poucos meses, esse campo e seus satélites se enchessem de mais escravos judeus para trabalhar na pedreira e nas fábricas vizinhas de munição, aço e aviões. "Mandem o Mestre em pessoa", ordenara o Reichsführer-SS Heinrich Himmler, se referindo a Eichmann nas instruções para vasculhar a Hungria de leste a oeste atrás de judeus. Os que estivessem em boas condições físicas seriam levados para os campos de "destruição pelo trabalho"; os que não estivessem deveriam ser exterminados imediatamente. Na invasão da Hungria, a missão de Eichmann era secundária, mas importantíssima. Ele se encheu de orgulho com a confiança que Himmler demonstrara ao encarregá-lo de supervisionar pessoalmente a operação. Eichmann não permitiria que nada o impedisse de merecer o novo apelido, "Mestre". Reuniu os oficiais mais experientes e eficazes de toda a Europa para ajudá-lo.
Com o exército alemão já cercando Budapeste, a coluna da SS enfrentou pouca resistência e avançou com facilidade pela Hungria. Ao longo dos 400 quilômetros de estrada até a capital, o pessoal de Eichmann se sentia confiante a ponto de tirar uma folga e se juntar a ele para brindar ao seu aniversário com uma garrafa de rum. Além dessa parada e mais duas para reabastecer, Eichmann nada teve para fazer na viagem além de fumar um cigarro atrás do outro e refletir melhor sobre a estratégia para eliminar, o mais depressa possível, os 725 mil judeus da Hungria, sem qualquer levante (como acontecera na Polônia) nem fugas em massa (como na Dinamarca). Essas duas operações lhe marcavam os pensamentos enquanto o comboio de um quilômetro e meio ressoava pela estrada.
Nas semanas anteriores, ao elaborar o seu plano para a Hungria, Eichmann aproveitara os oito anos de experiência como supervisor da questão judaica na SS. Como chefe do Departamento IVB4, era ele o responsável pela execução da política de Hitler para aniquilar os judeus. No cargo, Eichmann agia como se fosse o diretor de uma divisão de algum conglomerado internacional. Estabelecia metas ambiciosas; recrutava e delegava funções a subordinados eficientes; viajava com frequência para acompanhar o progresso desses subordinados; estudava o que funcionava e o que não dava certo e fazia os devidos ajustes; não se esquecia de prestar contas de sua eficácia aos chefes, com gráficos e números. Sua posição exigia que navegasse em meio a frequentes mudanças políticas, restrições legais e disputas internas. E embora usasse farda, não media o sucesso pelas batalhas vitoriosas, mas por cronogramas obedecidos, cotas cumpridas, eficiência obtida, diretrizes seguidas e unidades movidas. As operações que comandara na Áustria, Alemanha, França, Itália, nos Países Baixos, na Bélgica, Dinamarca, Eslováquia, Romênia e na Polônia lhe ensinaram o melhor método para obter esse sucesso. Agora pretendia levá-lo para a Hungria.
O primeiro estágio do plano se concentrava em isolar os judeus. Seriam dadas ordens para impor o uso da Estrela Amarela, proibir as viagens e o uso de telefone e rádio, e impedir que os judeus ocupassem cargos públicos e praticassem várias outras profissões. Havia mais de cem dessas medidas, que visavam identificar e remover os judeus da sociedade húngara. O estágio seguinte seria tomar posse da riqueza deles para os cofres do Terceiro Reich. As contas bancárias seriam congeladas. As fábricas e empresas pertencentes a judeus seriam desapropriadas e o patrimônio de todos os indivíduos, espoliado, inclusive seus cartões de racionamento. Em seguida, viria a guetificação, para remover os judeus de suas moradias e concentrá-los até que o quarto e último estágio pudesse ser posto em prática: a deportação para os campos. Assim que lá chegassem, outro departamento da SS seria responsável por seu destino.
*
"Caçando Eichmann"
Autor: Neal Bascomb
Editora: Objetiva
Páginas: 384
Quanto: R$ 42,15 (preço promocional)

Comentários